O Carnaval e seus contrastes |
Pular, dançar, beijar, descarregar e recarregar as energias ou apenas brincar. Assim é o Carnaval, esse momento mágico vivido por cinco dias através de uma fantasia travestida de realidade. Esse período está chegando e não poderia deixar de abordar sobre essa grande festa que propicia ao povo o extravasar de suas emoções e de tudo aquilo que está atravessado na garganta, seja o medo pela violência do dia a dia, as tristezas pelas perdas familiares, os obstáculos profissionais e a indignação pela corrupção no país. Em meio a essa realidade muitos contrastes e divisões são observadas. Engana-se quem pensa que tudo é festa, já que dentro desse ``evento`` percebe-se que nem tudo são flores como aparenta. Mas antes de entrarmos propriamente nesse assunto, vamos, de forma objetiva, falar um pouco sobre essa grande festa popular e como tudo começou. Bom, o carnaval chegou ao Brasil em meados do século XVII, sob influência das festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Em alguns países, como a França, o carnaval acontecia em forma de desfiles urbanos, ou seja, os carnavalescos usavam máscaras e fantasias e saíam pelas ruas comemorando. Certos personagens têm origem europeia, mas mesmo assim foram incorporados ao carnaval brasileiro como, por exemplo, rei momo, pierrô, colombina. A partir desse período, os primeiros blocos carnavalescos, cordões e os famosos cortejos de automóveis (corsos) foram criados, mas só se popularizaram no começo do século XX. As pessoas decoravam seus carros, se fantasiavam e em grupos desfilavam pelas ruas das cidades, dando origem assim aos carros alegóricos. O carnaval tornou-se mais popular no decorrer do século XX, e teve um crescimento considerável que ocorreu devido às marchinhas carnavalescas (músicas que faziam o carnaval ficar mais animado). A primeira escola de samba foi criada no dia 12 de agosto de 1928, no Rio de Janeiro, e se chamava Deixa Falar, anos depois seu nome foi modificado para Estácio de Sá. Com isso, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, foram surgindo novas escolas de samba. Organizaram-se em Ligas de Escolas de Samba e iniciaram os primeiros campeonatos para escolher qual escola era a mais bonita e a mais animada. A região nordeste permaneceu com as tradições originais do carnaval de rua, como Recife e Olinda. Já na Bahia, o carnaval fugiu da tradição, e conta com trios elétricos, embalados por músicas dançantes, em especial o axé. No Brasil, o carnaval é festejado tradicionalmente no sábado, domingo, segunda e terça-feira anteriores aos quarentas dias que vão da quarta-feira de cinzas ao domingo de Páscoa. Na Bahia, é comemorado também na quinta-feira da terceira semana da Quaresma, mudando de nome para Micareta. Esta festa deu origem a várias outras em estados do Nordeste, todas com características baianas, com a presença indispensável dos Trios Elétricos e são realizadas no decorrer do ano; em Fortaleza realiza-se o Fortal; em Natal, o Carnatal; em João Pessoa, a Micaroa; em Campina Grande, a Micarande; em Maceió, o Carnaval Fest; em Caruaru, o Micarú; no Recife, o Recifolia, já extinto. Vale explanar também algumas considerações sobre os principais pólos carnavalescoa do país, para que possamos mostrar essa divisão latente que mencionei no começo do texto. No Rio de Janeiro, a folia carnavalesca carioca começa antes dos dias oficiais do carnaval. Já no mês de setembro começam os ensaios nas quadras das diversas escolas de samba da cidade. No mês de dezembro a cidade já se agita com os denominados ensaios de rua e a mais nova criação ensaios técnicos, que levam milhares de pessoas ao Sambódromo todo final de semana. Há o desfile do Grupo Especial e do Grupo de Acesso, que acontecem na sexta-feira e no sábado, para não haver concorrência com o desfile do Rio de Janeiro. Os desfiles oficiais são realizados durante a data oficial do carnaval. O carnaval paulista é similar ao carnaval carioca. Acontece um grande desfile das escolas de samba da cidade. O desfile ocorre em uma passarela projetada por Oscar Niemeyer. Em Pernambuco, milhares de pessoas saem pelas ruas de Olinda e Recife, a maioria fantasiada e ao som do frevo (ritmo marcante do Estado). O carnaval de Pernambuco conta com dezenas de bonecos gigantes, os foliões são extremamente animados. Uma das grandes atrações é o famoso bloco carnavalesco Galo da Madrugada. Uma loucura sem precedentes ! Já o carnaval baiano é, sem dúvida, um dos mais calorosos e animados do Brasil e do mundo. Em especial na cidade de Salvador, onde se localiza os três principais circuitos carnavalescos: Dodô, Osmar e Batatinha. Por esses circuitos passam mais de 150 blocos organizados, cerca de 2 milhões de pessoas durante os dias de festa. Normalmente esses blocos se apresentam com os trios elétricos e com cantores famosos. A partir daí podemos observar que o Carnaval pode ser dividido em dois tipos distintos de manifestação: um, feito pelas classes mais ricas nos bailes de salão, nas batalhas de flores, nos corsos e desfiles de carros alegóricos; outro, feito pelas classes mais pobres nos maracatus, cordões, blocos, ranchos, frevos, troças, afoxés e, finalmente, nas escolas de samba. Assim, caótico desde seu princípio, o Carnaval brasileiro é visivelmente marcado pela divisão das classes sociais. Atualmente, tanto nos desfiles das escolas de samba do Rio e de São Paulo, como nos festejos do nordeste, esta divisão ficou um pouco mais sutil, o que tornou o carnaval mais democrático, mas ainda há lugares em que ela persiste. Na Bahia, por exemplo, só pode desfilar em alguns dos blocos quem tem dinheiro para pagar pelo abadá, ou nas escolas de samba do Rio que passam por um processo de embranquecimento e de comercialização, há, vez por outra, lugares onde apenas aqueles que tem dinheiro podem brincar. Os camarotes dos sambódromos do Rio e São Paulo são uma demonstração clara dessa divisão. O Brasil já passa por tanta desiguldade, tantos preconceitos, que está na hora do Carnaval mostrar o seu real sentido: a de ser uma festa popular. Nesse momento não pode ter espaço para distinções de classes ou de poder. Nós estamos falando de manifestação do povo minha gente. O que acontece na Bahia, por exemplo, onde o carnaval de rua é feito em blocos, isolados e de trios elétricos é uma coisa pra se repensar. Lógico que se fosse tudo ``0800``, poderia haver confusões e outras coisas do gênero. Mas já ficou provado que mesmo pagando, essas coisas acontecem. O que critico são os preços absurdos cobrados pra desfilar com um abadá. Uma coisa é você gastar essa fortuna pra ficar viajando pelo país a fora. Outra coisa é pagar pra ficar pulando e ainda correr o risco de ser assaltado ou sem qualquer conforto. O Carnaval tem de ser sempre aberto a todos os cidadãos, sem isolamento nos blocos, sem gastos absurdos e sem preconceitos. Afinal, essa é a verdadeira tradição !
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