Saiba como o jabá ocorre dentro da música com muitos detalhes importantes
(10/08/2002)
Pronto, chegamos ao
assunto que todo mundo tem vontade de saber, mas tinha medo de perguntar: o jabá musical.
É minha gente, esse é um tema muito polêmico e que faz com que vários artistas que
estão começando agora, sejam submetidos nesse esquema. Por incrível que pareça o jabá
é que mantém alguns grupos e cantores no auge da fama. Ao meu ver , todos os
profissionais que estão nesse meio, têm de manifestar total repúdio a esse instrumento
de manipulação de massa e ditadura cultural. Temos que tornar claro e transparente ao
público, a forma vergonhosa como este é tratado, a falta de oportunidades que ao entrar
em contato com a Arte em suas múltiplas facetas, sendo privado do direito de escolha, já
que não há sequer o direito de conhecer outras opções que não sejam as impostas pelas
majors (Grandes Gravadoras).
O jabá é algo concreto. Eu sei, mais ou menos, como funciona, por alto, porém
não posso entrar em detalhes, pois não dá pra se provar isso. Só mesmo aqueles que
estão na mídia é que podem falar sobre ele. Acredito eu , que sem a colaboração das
rádios e emissoras de TV (deixando de cobrar Jabá), ou das próprias gravadoras
(deixando de pagar Jabá), ou uma ação poderosa do governo, que precisaria estar
cuidando da educação e cultura do povo e não fazendo vistas grossas a essa
"farsa``, tudo poderia estar em sintonia. Não podemos compactuar com toda essa
sujeira.
Mas, recentemente, o Jornal Valor Econômico, do dia 31/05/02, realizou uma matéria
bastante interessante ilustrando com entrevistas como funciona o processo do jabá entre a
mídia e as gravadoras. Por isso, estou repassando abaixo essa reportagem para que todos
possam ter uma noção da barbárie que é feita. Confira !
Suborno branco
Quem quer dinheiro?
Por Tom Cardoso, De São Paulo
Rio de Janeiro, 1981.
Roberto Menescal, diretor artístico da gravadora Polygram (hoje Universal), recebe em sua
sala um dos produtores da "Buzina do Chacrinha", o programa de maior audiência
da TV Bandeirantes. O diálogo é curto, direto:
- Menescal, estamos querendo estourar o Eduardo Dusek lá no Chacrinha...
- Seria ótimo... - Mas,
para isso, o "homem" (Chacrinha) quer uma TV estéreo importada...
- Isso não é comigo,
vou te encaminhar para o departamento de divulgação. Além do mais, aproveita e avisa o
Chacrinha que o sinal estéreo ainda não chegou ao Brasil...
Fatos, como o citado
acima, tornaram-se corriqueiros nos escritórios das grandes gravadoras a partir da
década de 80. Era o velho jabá, o jabaculê, o "caititu", para os mais
antigos, assumindo-se de vez como o cancro da música brasileira.
"Nunca entrei no
esquema. Resolvi deixar a Polygram em 1986, quando percebi que a minha função tinha se
tornado meramente decorativa. Hoje, um diretor artístico precisa ter uma visão
comercial, saber negociar espaços nas rádios", diz Menescal.
O roqueiro Lobão faz coro: "Antigamente o crime compensava: havia o jabá, mas a
cena musical fervia, os diretores eram produtivos, tinham boas idéias. Agora estamos nas
mãos de ex-chefes de gôndola de supermecado, proxenetas que não entendem nada de
música."
A revolta de Menescal e Lobão, dois músicos que hoje também cumprem funções
administrativas em seus respectivos selos, é justificável, legítima. A indústria do
jabá tornou-se tão cruel, tão megalomaníaca que, ironicamente, começa a prejudicar a
si mesma. A turma do axé-music, os pagodeiros de butique, os neo-forrozeiros, alimentados
durante anos com o combustível do jabá, agora estão longe de dar lucro. Não é a falta
de promoção que emperra suas vendas, mas a falta de qualidade.
"O Brasil passou do sexto lugar no mercado de discos do mundo para décimo segundo
muito por causa da ganância das multinacionais e das grandes rádios", analisa
Nehemias Gueiros Jr., advogado especialista em Direito Autoral e "show
business". "O raciocínio desta gente é torto, paradoxal. Eles investem em
artistas sem nenhum talento, colocam uma baita grana em cima e depois ficam esperando um
retorno que não vem. Depois jogam a culpa do prejuízo na pirataria", explica
Nehemias.
Os danos causados pelo jabá não são recentes. Segundo o jornalista e pesquisador
Sérgio Cabral, as marchinhas de carnaval começaram a entrar em decadência por causa da
proliferação dos caititus, profissionais especalizados em fazer propaganda da música.
"O jabá profissionalizou-se nesta época, lá pelos anos 40. Os compositores
começaram a vender parcerias em troca de espaço nas rádios."
Haroldo Lobo, um dos geniais compositores do carnaval carioca, autor de
"Alá-lá-ô" (com Nássara) e "Emília" (com Wilson Batista) aceitou
dividir a autoria de suas canções com Milton de Oliveira, um caititu dos mais renomados.
"O Milton era um negociante da música. Não sei qual o metódo que ele usava, mas
era um craque em conseguir espaço com os programadores de rádio. Por ter esse 'talento',
assinou várias parcerias com Haroldo, como "Eu Quero é Rosetar", sucesso do
carnaval de 1947.
Àquela altura, desgostosos com o rumo mercantilista da festa, João de Barro, Lamartine
Babo e Ary Barroso - o trio de sustentação do carnaval de rua - recusaram-se a compor
canções sobre o tema. Não é preciso dizer que a qualidade das marchinhas foi para o
brejo. O jabá começava, ali, a dizimar a cultura de massa.
Nos EUA, o jabaculê, conhecido como "payola" (gíria derivada do inglês to
pay, pagar, criada pelo DJ Alan Freed, o mesmo inventor do termo 'rock-n'roll'), é crime
federal desde 1961. Lá, bem no estilo americano, todos pagam para tocar, mas as regras
são claras e obedecem um critério rígido de divulgação.
"Aqui no Brasil a coisa é feita por debaixo do pano. Apenas os grandes vendedores de
discos usufruem dos investimentos das gravadoras. A solução seria democratizar o
jabá", diz Rita Lee. "Já fiz várias reuniões em Brasília. Tem pessoas
sérias no Senado que estão interessadas em passar a limpo e trazer uma luz para esta
favela que é a execução pública brasileira", diz Nehemias Gueiros, autor de
"O Direito Autoral no Show Business" (Editora Forense), um dos mais sérios
livros publicados sobre o tema.
Enquanto a questão é discutida em Brasília, a barganha corre solta nos departamentos de
divulgação. Atualmente, as grandes gravadoras destinam 70% da verba de lançamento para
o bolso dos diretores de programação das rádios. "A rota do jabá passa
necessariamente pelas esferas de direção. É raro um programador, um DJ, ter este
poder", explica Nehemias, que conhece a fundo os bastidores da negociação -
trabalhou como Gerente Jurídico de Discos da CBS (atual Sony Music), de 1985 a 1988, e
como Diretor Jurídico da RCA Victor (atual BMG Ariola) de 1988 a 1991.
A rota é definida, primeiro, nas reuniões internas do AIR, o departamento de
"Artista e Repertório", o mais importante de uma gravadora, comandado pela
diretoria. Participam do encontro o diretor artístico, o diretor de marketing, o diretor
jurídico e o presidente da empresa. "Eles fazem uma reunião semanal chamada de
'planos e lançamentos'. Ouvem fitas e traçam estratégias para os produtos novos, os já
estourados, os que vão estourar e os que vão ser limados. Neste momento é decidido como
o jabá vai agir- quanto vai ser investido, qual será o produto e os meios de
comunicação beneficiados", afirma Nehemias.
Até aí nada demais - diretores de uma empresa discutindo orçamento e traçando planos
de divulgação. O problema, segundo Nehemias, é que toda essa verba vem do caixa 2 das
empresas. Quem recebe o dinheiro das multinacionais, normalmente os diretores de
programação das rádios, também participa da negociação por baixo do pano.
"O acordo é todo de boca, sem contrato, sem nada. O diretor de programação volta
para a rádio, passa um memorando para todo mundo e determina: a partir de tal dia, tal
música vai tocar tantas vezes. O DJ já recebe a grade modificada, cumpre a ordem e
começa a tocar. Dificilmente o dono da rádio sabe dessa negociata. Se souber, também
entra na jogada", conta Nehemias. "Alguns DJs, que são donos de um horário
cobiçado, das 18 h às 19 h, também ganharam um poder dentro das rádios. Em muitos
casos, negociam por fora com as gravadoras. Recebem passagens de avião e carros
importados."
Roberto Menescal, que trabalhou como diretor da Polygram de 1971 a 1986, lembra que ficava
assustado com a descarada falta de ética de alguns colegas: "Tinha um diretor
artístico muito conhecido, que trabalhou anos na EMI, na BMG e na Sony, que andava com
talão de cheques em punho só para pagar jabá", revela. Lobão, que colecionou
brigas históricas com multinacionais, deu testemunho parecido. "A Universal, minha
última gravadora, mantinha uma casa no Rio de Janeiro só para receber radialistas. Tinha
até jantar com dança do ventre, era um jabá-show."
Para Lobão, que hoje lança seus discos pelo próprio selo, o Universo Paralelo, o jabá
fortaleceu-se mesmo na década de 90. "Na minha época, claro, rolava jabaculê, mas
era mais democratizado, todo mundo recebia", conta. O músico lembra do dia em que
ele e Lulu Santos foram a um baile funk carioca divulgar um compacto do Vímana, banda que
eles formaram ao lado de Ritchie nos anos 70. "Chegamos na casa e pedimos para o Big
Boy (lendário disc-jóquei, divulgador do soul no Brasil) e ele, indignado: 'tá pensando
que eu sou trouxa, manda aqui a bufunfa rapaz!' O Lulu saiu de lá arrasado, dizendo que
não acreditaria mais em Papai Noel."
A reportagem do Valor tentou, sem sucesso, conversar sobre o assunto com os principais
mandachuvas da indústria fonográfica. A palavra jabá, que eles preferem chamar de
"plano de marketing", causa ojeriza à maioria. Paulo Hélio, gerente de rádio
da BMG, desconversou. "Não sei do que se trata. Apenas cuido da promoção dos
produtos da minha gravadora, o que não tem nada demais."
"As gravadoras vão sempre repetir o discurso de que o jabá na verdade não passa de
uma verba de divulgação. Que eles precisam ter um departamento de marketing forte, com
um investimento pesado para que o artista possa divulgar sua música. Esse discurso é
pífio, furado", garante Nehemias.
Um ex-diretor comercial da Polygram e da Warner Music, que, por medo de represálias,
preferiu manter-se anônimo, revelou com exclusivade ao Valor detalhes dos bastidores da
negociação do jabá. "Todas as gravadoras pagam jabá para os programadores. Vai
estar mentindo quem negar isso. Pagam descaradamente, com viagens aos exterior, carros e
muito, muito dinheiro. Pouca gente sabe, mas é o investimento pesado no jabá, que não
é contabilizado pelas gravadoras, o grande responsável pelo alto preço dos CDs para o
consumidor."
Hoje aposentado, o ex-diretor comercial admite ter pago jabá a vários artistas, muitos
deles hoje consagrados como grandes nomes da música popular. "Eu paguei jabá para o
Sidney Magal . Ele era um grande artista, um bom cantor, mas precisou de grana para
estourar no Chacrinha. Fiz o mesmo com o Lulu Santos. Ele nunca soube, mas a música 'Como
Uma Onda' recebeu um investimento grandioso da gravadora para tocar sem parar nas rádios.
Ele precisou desse "empurrão" para explodir, pois não decolava de jeito
nenhum."
A solução para o fim do jabá seria, segundo o ex-diretor, um histórico e inédito
acordo entre as cinco poderosas multinacionais - Universal, Warner, Sony, BMG e EMI.
"Se essas gravadoras, que controlam 95% do mercado, decidirem não dar mais grana
para as rádios o jabá acaba. O problema é que toda vez que essa solução é
encaminhada, discutida, uma gravadora fura o esquema para levar vantagem na negociação
com as rádios. Esses meninos que estão hoje na direção das gravadoras são muito
inexperientes, morrem de medo das rádios."
Procuradas pela reportagem do Valor, as gravadoras citadas na matéria não se
manifestaram sobre o assunto.
Marcus Vinicius Jacobson
Jornalista e diretor do MVHP
- Portal de Cifras
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