A coluna musical mais comentada da Internet !

Os 90 anos do mestre Caymmi


Dorival Caymmi completa 90 anos e dá um exemplo de como fazer música de verdade

(15/05/2004)

Eu não poderia deixar de falar nesse momento em que só ouvimos produtos descartáveis no cenário musical, sobre um cantor e compositor que chega aos 90 anos e deixa para a música popular brasileira um exemplo de como fazer música de verdade. Estou falando do baiano Dorival Caymmi que no último dia 30 de abril completou mais uma primavera. Compositor de uma obra marcante, embora pouco numerosa (ao todo, escreveu cerca de 120 músicas em sua maioria inspiradas em experiências vividas na juventude), Caymmi deixou um legado que envolve o amor pelo Brasil e a integridade pessoal e artística. O compositor já teve discos-tributo gravados por Gal Costa, Rosa Passos, Jussara Silveira e a própria filha Nana Caymmi.

Dorival nasceu em Salvador, em 1914, chegou ao Rio com 24 anos, já sambista, tentando ser jornalista. Quando veio para a Cidade maravilhosa, trouxe na bagagem as canções do ciclo do mar. Veio também com um estilo único: simples e sofisticado. Um jeito de tocar violão que muita gente tentou imitar, mas ninguém conseguiu. Ele é único e ninguém nunca conseguirá copiá-lo. De cara, encantou dois poderosos da época, o empresário Assis Chateaubriand, dono de poderosas rede de rádios e jornais, e a cantora Carmem Miranda, estrela absoluta da época, a quem ele ensinou ginga, malícia e a cantar sambas brejeiros como O Que É Que a Baiana Tem?, primeiro hit do compositor, em 1939. De lá para cá foram centenas de composições que fizeram sucesso do Iapoque ao Chuí. Os três filhos (Nana, Danilo e Dori Caymmi), de temperamentos diferentes mas unidos como poucos, conviveram com isso e são músicos bem sucedidos, independente da fama do pai.

Caymmi ajudou a construir a identidade cultural da Bahia. Ele conseguiu retratar fielmente em suas poesias um retrato do Brasil à beira mar, da sensualidade da gente baiana. Dorival Caymmi fez anos, mas o presente para as dezenas de milhares de brasileiros que embalam a vida com sua música já está pronto. É o CD Para Caymmi, de Nana, Dori e Danilo, seus filhos, que gravaram 20 sambas dele, todos clássicos. A idéia foi de Nana, que há um ano e meio lançou O Mar e o Tempo, com as canções praieiras de Caymmi. Este disco é complemento daquele e também uma reunião da família na data. Quem ouvir o álbum vai concordar, pois não há tradução melhor do Brasil que O Samba da Minha Terra, Dois de Fevereiro, Eu não Tenho onde Morar, Saudade da Bahia, Vatapá, Rosa Morena e outros sambas do disco.

Peço que todos que estão ouvindo essas músicas do ``momento`` ouçam as principais obras deste cantor para comprovarem realmente o que eu estou falando. Esse CD, por exemplo, em homenagem ao mestre baiano é uma boa oportunidade para mostrar o que é samba de verdade. De Acontece Que Eu Sou Baiano até Milagre, passando por Vatapá, O Que é Que a Baiana tem? e a saborosa e pouca conhecida Severo do Pão, entre outros grandes sambas, temos uma mostra significativa do seu talento. Os sambas sacudidos, como o compositor gosta de chamá-los, com temáticas brejeiras e sensuais tais como A Vizinha do Lado, O Dengo, Requebre Que Eu Dou um Doce, ou ainda com temáticas baianas – os famosos Postais da Bahia – como Você Já foi à Bahia?, Saudade da Bahia e Trezentas e Sessenta e Cinco Igrejas, estão presentes no novo CD da Warner. E para dar a picardia e remelexo que os sambas de Caymmi exigem foi convocado um time percussivo para ninguém botar defeito: Gordinho (Tamborim, Agogô, Afoxé, Tantan); Don Chacal (Xequerê, xique xique, small shake); Marcos (Pandeiro, repique de mão, prato e faca, tantan, conga); Beloba (Tamborim); Ubirany (Caixinha do Ubirany). Enfim, tem samba pra dar e vender.

Chego ao final dessa coluna emocionado por poder escrever sobre esse mito da MPB. Caymmi merece muito mais homenagens pelo Brasil a fora. Quiça no exterior também onde é reconhecido como um dos maiores compositores de todos os tempos. Além desse CD, o cantor já foi reverenciado com uma homenagem da Estação Primeira de Mangueira com o enredo Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm em 1986, além de ter recebido, dois anos antes, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia e sendo agraciado até pelo governo francês, com sua cobiçada Medalha Commandeur de Artes e Ofícios. Por isso tudo dá para se notar que não é só a música de Caymmi que desperta a admiração dos brasileiros. São 90 anos de calma e poesia. A serenidade em pessoa.


Marcus Vinicius Jacobson

Jornalista e diretor do MVHP - Portal de Cifras
Sugestões de temas, ou elogios e críticas a esta coluna
envie um e-mail para redacao@mvhp.com.br

VOLTAR | ATUALIZAR | AVANÇAR