O centenário de Cartola |
Nesse mês, todos os amantes do rock, mpb, sertanejo, pagode, me desculpem, mas sou obrigado a falar do Samba, mais precisamente do mestre Cartola, que completaria 100 anos no dia 11 de outubro. Logicamente precisariam milhares de colunas para escrever sobre o grande sambista da história, tamanho é sua obra e a figura que representou para o samba. Muitos dos que vivem da música desconhecem a importância de Cartola para o movimento e é por essa razão que devemos manter vivo todo seu legado. Sua contribuição à cultura brasileira é inestimável. Ele era uma daquelas pessoas que detinham o saber infinito das palavras e que em alguns versos conseguia dizer tudo aquilo que nós, simples mortais, levaríamos talvez algumas dezenas de anos para conseguir. Se tivesse que qualificá-lo eu diria que ele era uma jóia rara. Só pra ter idéia, ele fez somente o primário e jamais conseguiu se integrar à estrutura de trabalho. Trabalhou sempre com bicos, como pedreiro, pintor de paredes, lavador de carros, vigia de prédios e contínuo de repartição pública. Mas seu dom fez dele o maior sambista carioca de todos os tempos, com letras impecáveis e batidas deliciosas. Clássicos eternos como As rosas não falam, O mundo é um moinho, Cordas de Aço, Alegria são uma prova disso. Nesta pequena, porém, sincera homenagem a um dos maiores gênios da cultura brasileira, que estou fazendo, tenho que sintetizar toda sua vida e obra, para os que desconheciam, possam se espelhar nessa história de vida e perceber que o passado ainda guarda verdadeiras lembranças e vive mais do que o presente. Bom, Cartola nasceu no Rio, mais precisamente no bairro do Catete e passou a infância em Laranjeiras. Cartola foi batizado Angenor de Oliveira. Era para se chamar Agenor, mas o escrivão entendeu errado e registrou o menino com uma letra a mais. Dificuldades financeiras obrigaram a família numerosa a mudar-se para o morro da Mangueira, onde então começava a despontar uma pequena favela. Na Mangueira fez logo amizade com Carlos Cachaça e outros bambas, se iniciando no mundo da malandragem e do samba. O apelido veio na juventude, quando o rapaz trabalhava na construção civil. Cansado de voltar para casa com os cabelos duros de cimento, Angenor passou a usar um chapéu coco que logo foi confundido com uma cartola pelos companheiros. Com seus amigos do morro criou o Bloco dos Arengueiros, cujo núcleo em 1928 fundou a Estação Primeira de Mangueira, a verde-rosa, nome e cores escolhidos por Cartola, que compôs também o primeiro samba, Chega de Demanda. Seus sambas se popularizaram nos anos 30 em vozes ilustres como Francisco Alves, Mário Reis, Silvio Caldas e Carmen Miranda. Mas no início dos anos 40, Cartola desapareceu do cenário. Pouco se sabe sobre essa época além de que brigou com os amigos da Mangueira e que ficou mal depois da morte de Deolinda, a mulher com quem vivia. Especulou-se até que houvesse morrido. Cartola só foi reencontrado em 1956 pelo jornalista Sérgio Porto, trabalhando como lavador de carros. Porto tratou de promover a volta de Cartola, levando-o a programas de rádio e fazendo-o compor novos sambas para serem gravados. Em 1964 Cartola e a esposa Zica, também já falecida, abriram uma casa de espetáculos na rua da Carioca, o Zicartola, que promovia shows de samba e boa comida, reunindo no mesmo lugar a juventude bronzeada da Zona Sul carioca e os sambistas do morro. O Zicartola fechou as portas algum tempo depois, e o compositor continuou com seu emprego publico e compondo seus sambas. Em 1974 gravou o primeiro de seus quatro discos solo, e sua carreira tomou impulso de novo com clássicos instantâneos como As Rosas Não Falam, O Mundo É um Moinho, Acontece, O Sol Nascerá (com Elton Medeiros), Quem Me Vê Sorrindo (com Carlos Cachaça), Cordas de Aço e Alegria. Ainda nos anos 70, mudou-se da Mangueira para uma casa em Jacarepaguá, onde morou até a morte. Algumas curiosidades fizeram parte da carreira de Cartola. O mestre compôs mais de quinhentas canções. Suas músicas, consideradas bastante elaboradas e suas letras profundamente poéticas, despertaram o interesse dos maestros Villa Lobos e Stokovsky, dois gigantes da música, que foram ao Buraco Quente, no Morro da Mangueira, conhecê-lo e tomar conhecimento de sua obra. Como já foi dito mais acima, o sambista também foi um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira. Ele é apontado como autor do nome e definidor das cores adotadas que são verde e rosa. A escolha se deu em homenagem ao seu time Fluminense, que utiliza tonalidades mais fortes das mesmas cores: grená, verde escuro e branco. Devido ao racismo, Cartola nunca foi economicamente bem-sucedido. Mas tenho certeza que todos que o discriminaram, estariam hoje se curvando a ele. Pois Cartola é mágico. Mágico das letras e das melodias. Se a história do samba pudesse ser resumida em uma única palavra, esta palavra seria Cartola.
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