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Diário de um Detento
São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã.
Aqui estou, mais um dia Sob olhar sanguinário do vigia Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK Metralhadora alemã ou de Israel Estraçalha ladrão que nem papel Na muralha em pé Mais um cidadão José Servindo o Estado, um PM bom Passa fome, metido a Charles Bronson Ele sabe o que eu desejo, sabe o que eu penso O dia tá chuvoso, o clima tá tenso Vários tentaram fugir, eu também quero Mas de um a cem, a minha chance é zero Será que Deus ouviu minha oração ? Será que o juiz aceitou minha apelação ? Manda um recado lá pro meu irmão : Se tiver usando droga tá ruim na minha mão Ele ainda tá com aquela mina ? Pode crê, o moleque é gente fina Tirei um dia a menos ou um dia a mais Sei lá, tanto faz, os dias são iguais Acendo um cigarro vejo o dia passar Mato o tempo pra ele não me matar Homem é homem, mulher é mulher, estrupador é diferente, né ? Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés E sangra até morrer na rua 10 Cada detento uma mãe, uma crença Cada crime uma sentença Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias Abandono, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo Misture bem essa química, pronto: fiz um novo detento Lamentos no corredor, na cela, no pátio, ao redor do campo, em todos os cantos Mas eu conheço o sistema, meu irmão, aqui não tem santo Ratatatá, preciso evitar que um safado faça minha mãe chorar Minha palavra de hora me protege Pra viver no país das calças bege Tic-tac, ainda é nove e quarenta O relógio na cadeia anda em câmera lenta
Ratatatá, mais um metrô vai passar Com gente de bem, apressada, católica Lendo jornal, satisfeita, hipócrita Com raiva por dentro, a caminho do centro Olhando pra cá, curiosos é lógico Não, não é não. Não é o zoológico Minha vida não tanto valor Quanto seu celular, seu computador Hoje, tá difícil, não sai o sol Não tem visita, não tem futebol Alguns companheiros tem a mente mais fraca Não suporta o tédio , arruma quiaca Graça a Deus e á Virgem Maria Faltam só um ano, três meses e uns dias Tem uma cela lá em cima fechada desde Terça-feira Ninguém abra pra nada Só o cheiro de morte pinho sol Um preso se enforcou com o lençol Qual que foi ? Quem sabe ? Não conta Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta Nada deixe um homem mais doente Do que o abandono dos parentes Aí moleque, me diz então ? Cê que o quê ? A vaga tá lá esperando você Pega todos os seus artigos importados Seu Currriculum no crime e limpa o rabo A vida bandida é sem futuro A sua cara fica branca desse lado do muro Já ouviu falar de Lúcifer que veio do inferno com moral um dia ? No Carandiru não, ele é só mais um comendo rango azedo com pneumonia Aqui tem mano de Osasoco, do Jardim D'Abril Parelheiros, Moji, Jardim Brasil Bela Vista, Jardim Ângela, Heliópolis Itapevi, Paraisópolis Ladrão sangue bom, tem moral na quebrada Mas pro Estado, é só mais um número, mais nada Nove Pavilhões, sete mil homens que custam trezentos reais por mês cada Na última visita, neguinho veio aí Trouxe umas frutas, Marlboro, Free Ligou que um pilantra lá da área voltou Com Kadett vermelho, placa de Salvador Pagando de gatão, ele xinga, ele abusa Com uma 9 milímetros debaixo da blusa Aí, neguinho vem cá, e os manos onde é que tá ? Lembra desse cururu que tentou me matar ? "Aquele puto é ganso, pilantra corno manso Ficava muito louco e deixava a mina só A mina era virgem, ainda era menor Agora faz chupeta em troca de pó" Esses papo me incomoda Se eu tô na rua é foda ... "É, o muda roda, ele pode vir pra cá ... " Não, já, já, meu processo tá aí Eu quero mudar, eu quero sair Se eu trombo esse fulano ... não tem pá, não tem pum, vou ter que assinar o 121 Amanheceu com sol, dois de outubro Tudo funcionando, limpeza jumbo De madrugada eu senti um calafrio Não era do vento, não era do frio Acerto de conta tem quase todo dia Ia Ter outro logo mais, eu sabia Lealdade é o que todo preso tenta Conseguir, a paz, de forma violenta Se um salafrário sacanear alguém Leva ponto na cara igual Frankstein Fumaça na janela, tem fogo na cela Fudeu, foi além, ... se pã, tem refém Na maioria, se deixou envolver Por uns cinco ou seis que não tem nada a perder Dois ladrões considerados começaram a discutir Mas não imaginavam o que estaria por vir Traficantes, homicidas, estelionatários Uma maioria de moleque primário Era a brecha que o sistema queria Avise o IML, chegou o grande dia Dependo do sim ou não de um só homem Que prefere ser neutro pelo telefone Ratatatá caviar e champanhe Fleury foi almoçar que se foda minha mãe Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo ... Quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio O ser humano é descartável no Brasil Com módes usado ou Bombril Cadeia ? Claro que o sistema não quis Esconde o que a novela não diz Ratatatá, sangue jorra como água Do ouvido, da boca e nariz O Senhor é meu pastor ... perdoe o que seu filho fez Morreu de bruços no Salmo 23 Sem padre, sem repórter, sem arma, sem socorro Vai pegar HIV na boca do cachorro Cadáveres no poço, no pátio interno Adolph Hitler sorri no inferno O Robocop do governo é frio, não sente pena Só ódio e ri como a hiena Ratatatá, Fleury e sua gangue Vão nadar numa piscina de sangue Mas quem vai acreditar no meu depoimento ? Dia três de outubro, diário de um detento
Capítulo 4 Versículo 3
(introdução) 60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial; a cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras; nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros; a cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo; aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente.
Minha intenção é ruim, esvazia o lugar! Eu tô em cima, eu tô a fim, um dois pra atirar! Eu sou bem pior do que você tá vendo Preto aqui não tem dó, é cem por cento veneno! A primeira faz "bum!", a segunda faz "tá!" Eu tenho uma missão e não vou parar! Meu estilo é pesado e faz tremer o chão! Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição! Na queta ou na ascenção, minha atitude vai além! E tem disposição pro mal e pro bem! Talvez eu seja um sádico ou um anjo Um mágico ou juiz, ou réu Um bandido do céu! Malandro ou otário, quase sanguinário! Franco atirador se for necessário! Revolucionário ou insano. Ou marginal! Antigo e moderno, imortal! Fronteira do céu com o inferno! Astral imprevisível, como um ataque cardíaco do verso! Violentemente pacífico! Verídico! Vim pra sabotar seu raciocínio! Vim pra abalar o seu sistema nervoso e sanguíneo! Pra mim ainda é pouco, dá cachorro louco! Número um guia terrorista da periferia! Uni-duni-tê, eu tenho pra você, O Rap Venenoso é uma rajada de PT! E a profecia se fez como previsto: Um nove nove sete, depois de Cristo. A fúria negra ressuscita outra vez: RACIONAIS, Capítulo 4 Versículo 3.
Aleluia...(Hamm) Aleluia...
Racionais!!! "No ar, filhas da puta! pá! pá! pá! Faz frio em São Paulo, pra mim tá sempre bom! Eu tô na rua de bombeta e moleton! Din-din-don, RAP é o som, que emana do Opala marrom! E aí... Chama o Guilherme, chama o Vanio, chama o Dinho, E o Di, Marquinho chama o Éder vamo aí, Se os outros manos vêm, pela ordem tudo bem! Melhor, quem é quem, no bilhar no dominó. "
Rolou dois Mano, um acenou pra mim, de "jaco" de cetim de tenis calça jeans. "Hey Brown, sai fora, nem vai, nem "cola"! Não vale a pena "dar idéia" nesse tipo aí. Ontem à noite eu vi, na beira do asfalto tragando a morte, soprando a vida pro alto! Aos caras só o pobre é rioso, no fundo do poço, E mais flagrante no bolso!" Veja bem, ninguém é mais que ninguém, veja bem, veja bem e eles são nossos irmão também. "Mas de cocaína e crack, whisky e conhaque, os manos morrem rapidinho se é lugar de destaque!" Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma nem dá... Nunca te dei pôrra nenhuma! Você fuma o que vem, entope o nariz! Bebe tudo que vê! Faça o diabo feliz! Você vai terminar tipo o outro mano lá, que era preto tipo A Ninguém "entrava numa", mó estilo! De calça "Calvin Klein", tênis "Puma" É... o jeito humilde de ser, no trampo e no rollé. Curtia um funk, jogava uma bola, buscava a preta dele no portão da escola. Um exemplo pra nós, maior moral, "mó" IBOPE! Mas começo "cola" com os branquinhos do shopping, "Ai já era"... Ih! Mano, outra vida, outra pique! E só mina de elite, balada e vários drinks! Puta de Botique, toda aquela pôrra! Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra! Hã... faz uns nove ano... Tem uns 15 dias atrás eu vi o mano... Cê tem que ver, pedindo cigarro pro "tiozinho" no ponto Dente todo "zoado", bolso sem nem um conto! O cara cheira mal, a sinha senti medo! Muito louco de sei lá o quê, logo cedo! Agora não oferece mais perigo: viciado, doente e fudido, inofensivo!
Um dia um PM negro veio me "embaçar", e disse pra eu me por no meu lugar. Eu vejo mano nessas condições não dá... Será assim que eu deveria estar? Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor! Pelo rádio, jornal, revista e outdoor, te oferece dinheiro, conversa com calma. Contamina seu caráter, rouba sua alma. Depois te joga na merda sozinho! É... transforma um um "preto tipo A" num "neguinho"! Minha palavra alivia sua dor, ilumina minha alma Louvado seja o meu Senhor! Que não deixa o mano aqui desandar, Ah! e nem "sentar o dedo" em nenhum pilantra! Mas que nenhum filha da puta ignore minha lei: RACIONAIS Capítulo 4 Versículo 3 !
Aleluia...Aleluia...
Racionais!!! "No ar filhas da puta! pá!, pá!, pá! Quatro minutos se passaram e ninguém viu, O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil! Talvez um mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo, que enquadra o carro forte na febre com sangue nos olhos! O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol ou o que vende chocolate de farol em farol! Talvez o cara que defende o pobre no tribunal, ou que procura vida nova na condicional. Alguém no quarto de madeira, lendo à luz de vela, ouvindo o rádio velho, no fundo de uma cela! Ou da família real e negro como eu sou, um príncipe guerreiro que defende o gol!"
E eu não mudo, mas eu eu não me iludo: os mano "cu de burro", eu tenho eu sei de tudo! Em troca de dinheiro e um cargo bom tem mano que rebola e usa até batom! Vários patrícios falam merda, pra todo mundo rir! haha! pra ver branquinho aplaudir! É... na sua área tem fulano até pior! Cada um, cada um, você se sente só! Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério, ou explode sua cara por um toca fita velho! click! plau! plau! plau! e acabou! Sem dó e sem dor Foda-se sua cor! Limpa o sangue com a camisa e manda se fuder! Você sabe porque, pra onde vai, pra quem vai De bar em bar, de esquina em esquina, pegar 50 conto, trocar por cocaína, E fim! o filme acabou pra você! A bala não é de festim! Aqui não tem dublê! Para os manos da baixada, fluminense à Ceilândia: eu sei. as ruas não são como a Disneylândia! De Guaianases ao extremo sul de Santo Amaro, ser um "preto tipo A" custa caro! É foda! Foda é assistir a propaganda e ver, não dá pra ter aquilo pra você, playboy "forgado" de brinco o trouxa, Roubado dentro do carro na Avenida Rebouças! Correntinha das moças, Madame de bolsa, dinheiro Não tive pai, não sou herdeiro. Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de um real, minha chance era pouca, Mas se eu fosse aquele moleque de touca, Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca, "de quebrada". Sem roupa, você e sua mina, Um, dois! Nem me viu! Já sumi na neblina! Mas não... Permaneço vivo, prossigo a mística! 27 ano, contrariando a estatística! Seu comercial de TV não me engana, HÃ! Eu não preciso de status nem fama. Seu carro e sua grana já não me seduz, E nem a sua "PUTA" de olhos azuis! Eu sou apenas um rapaz latino americano apoiado por mais de 50 mil mano! Efeito colateral que seu sistema fez, Racionais, capítulo 4 versículo 3!
Fórmula Mágica da Paz
Essa pôrra e um campo minado. Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui, mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho. A minha vida é aqui e eu não consigo sair. É muito fácil fugir mas eu não vou. Não vou trair quem eu fui, quem eu sou. Eu gosto de onde eu vou e de onde eu vim, ensinamento da favela foi muito bom pra mim. Cada lugar um lugar, cada lugar uma lei, cada lei uma razão e eu sempre respeitei, em qualquer jurisdição, qualquer área. Jardim Santo Eduardo, Grajaú, Missionária. Funxal, Pedreira e tal, Joaniza. Eu tento advinhar o que você mais precisa. Levantar sua "goma" ou comprar uns "pano", um advogado pra tirar seu mano. No dia da visita você diz que eu vou mandar cigarro pros maluco lá no X. Então, como eu tava dizendo, sangue bom, isso não é sermão, ouve aí: tenho o dom. Eu sei como é que é, é foda parceiro, Hee, a maldade na cabeça o dia inteiro. Nada de roupa, nada de carro, sem emprego, não tem IBOPE, não tem rolê sem dinheiro. Sendo assim, sem chance, sem mulher, você sabe muito bem o que ela quer (HEE....). Encontre uma de caráter se você puder. É embaçado ou não é? Ninguém é mais que ninguém, absolutamente, aqui quem fala é mais um sobrevivente. Eu era só um moleque, só pensava em dançar, cabelo BLACK e tênis ALL STAR. Na roda da função "mó zoeira!" Tomando vinho seco em volta da fogueira. A noite inteira, só contando história, sobre o crime, sobre as treta na escola. Não tava nem aí, nem levava nada a sério. Admirava os ladrão e os malandro mais velho. Mas se liga, olhe ao seu redor e me diga: o que melhorou? Da função quem sobrou? sei lá, muito velório rolou de lá pra cá, qual a próxima mãe que vai chorar? Há! Demorou mas hoje eu posso compreender, que malandragem de verdade é viver. Agradeço a DEUS e aos ORIXÁS, parei no meio do caminho e olhei pra trás. Meus outros manos todos foram longe de mais: Cemitério São Luis, aqui jaz. Mas que merda! meu oitão tá até a boca, que vida louca! Por que é que tem que ser assim? Onti eu sonhei que um fulano aproximou de mim, "agora eu quero ver ladrão, pá! pá! pá! pá!", Fim. É... sonho é sonho, deixa quieto. Sexto sentido é um dom, eu tô esperto. Morrer é um fator, mas conforme for, tem no bolso e na agulha e mais 5 no tambor. Joga o jogo, vamo lá, caiu a 8 eu mato a par. Eu não preciso de muito pra sentir-me capaz de encontrar a FÓRMULA MÁGICA DA PAZ.
Eu vou procurar, sei que vou encontrar, eu vou procurar, eu vou procurar, você não bota mó fé, mas eu vou atrás(Eu vou procurar e sei que vou encontrar) da minha FÓRMULA MÁGICA DA PAZ.
Eu vou procurar, sei que vou encontrar Procure a sua(eu vou procurar, eu vou procurar, você não bota mó fé...) Eu vou atrás da minha(você não bota mó fé) (Eu vou procurar e sei que vou encontrar)
Caralho! Que calor, que horas são agora? Dá pra ouvir a pivetada gritando lá fora. Hoje acordei cedo pra ver, sentir a brisa de manhã e o Sol nascer. É época de pipa, o céu tá cheio. 15 anos atrás eu tava ali no meio. Lembrei de quando era pequeno, eu e os cara... faz tempo, faz tempo, E O TEMPO NÃO PARA.
Hoje tá da hora o esquema pra sair, é... vamo, não demora, mano, chega aí! "Cê viu onti? Os tiro ouvi de monte! Então, diz que tem uma pá de sangue no campão." IH, mano toda mão é sempre a mesma idéia junto: TRETA, TIRO, SANGUE, aí, muda de assunto. Traz a fita pra eu ouvir porque eu tô sem, principalmente aquela lá do Jorge Ben. Uma pá de mano preso chora a solidão. Uma pá de mano solto sem disposição. Empenhorando por aí, rádio, tênis, calça, acende num cachimbo... virou fumaça! Não é por nada não, mas aí, nem me ligo ô, a minha liberdade eu curto bem melhor. Eu não tô nem aí pra o que os outros fala. 4, 5, 6, preto num Opala. Pode vir GAMBÉ, PAGA PAU, tô na minha na moral na maior, SEM GORÓ, SEM PACAU, SEM PÓ. Eu tô ligeiro, eu tenho a minha regra, não sou pedreiro, não fumo pedra. Um rolê com os aliados já me faz feliz, respeito mútuo é a chave é o que eu sempre quis(diz...). Procure a sua, a minha eu vou atrás, até mais, da FÓRMULA MÁGICA DA PAZ.
Eu vou procurar, sei que vou encontrar Eu vou procurar, eu vou procurar você não bota mó fé..., mas eu vou atrás.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Da FÓRMULA MÁGICA DA PAZ
Eu vou procurar, sei que vou encontrar Eu vou procurar, eu vou procurar você não bota mó fé..., mas eu vou atrás.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar)
Choro e correria no saguão do hospital. Dia das criança, feriado e luto final. Sangue e agonia entra pelo corredor. Ele tá vivo! Pelo amor de DEUS Doutor! 4 tiros do pescoço pra cima, puta que pariu a chance é mínima! Aqui fora, revolta e dor, lá dentro estado desesperador! Eu percebi quem eu sou realmente, quando eu ouvi o meu sub-consciente: "E aí mano Brown CUZÃO? Cadê você? Seu mano tá morrendo o que você vai fazer?". Pode crê, eu me senti inútil, eu me senti pequeno, mais um cuzão vingativo(mais um). Puta desespero, não dá pra acreditar, que pesadelo, eu quero acordar. Não dá, não deu, não daria de jeito nenhum, o Derlei era só mais um rapaz comum! Dali a poucos minutos, mais uma Dona Maria de luto! Na parede o sinal da cruz. Que porra é essa ? Que mundo é esse ? Onde tá JESUS ? Mais uma vez um emissário não incluiu CAPÃO REDONDO em seu itinerário. Pôrra, eu tô confuso. Preciso pensar. Me dá um tempo pra eu raciocinar. Eu já não sei distinguir quem tá errado, sei lá, minha ideologia enfraqueceu. PRETO, BRANCO, POLÍCIA, LADRÃO OU EU, quem é mais filha da puta, eu não sei! Aí fudeu, fudeu, decepção essas hora... a depressão quer me pegar vou sair fora. 2 de Novembro era finados. Eu parei em frente ao São Luis do outro lado e durante uma meia hora olhei um por um e o que todas as Senhoras tinham em comum: a roupa humilde, a pele escura, o rosto abatido pela vida dura. Colocando flores sobre a sepultura. ("podia ser a minha mãe"). Que loucura. Cada lugar uma lei, eu tô ligado. No extremo Sul da Zona Sul tá tudo errado. Aqui vale muito pouco a sua vida. A nossa lei é falha, violenta e suicida. Se diz que, me diz que, não se revela: parágrafo primeiro na lei da favela. Legal... Assustador é quando se descobre que tudo dá em nada e que só morre o pobre. A gente vive se matando irmão, por quê ? Não me olhe assim, eu sou igual a você. Descanse o seu gatilho, descanse o seu gatilho, entre no trem da malandragem, o meu RAP é o TRILHO.
VOU DIZER....
Procure a sua paz.... Pra todas a famílias ai que perderam pessoas importante morô meu!!!! (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Procure a sua Paz(Paz....) Não se acostume com esse cotidiano violento, Que essa não é a sua vida, essa não é a minha vida morô mano!!!! Procure a sua paz.... Aí Derlei, descanse em paz! Aí Carlinhos procure a sua paz! (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Aí Quico, você deixou saudade morô mano! Agradeço à Deus e aos Orixás.... Eu tenho muito a agradecer por tudo Agradeço à Deus e aos Orixás.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Cheguei aos 27, sou um vencedor, tá ligado mano!!!! Agradeço à Deus e aos Orixás.... Aí procure a sua, eu vou atrás da minha FÓRMULA MÁGICA DA PAZ! Você não bota mó fé.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Aí, manda um toque na quebrada lá, Coab, Adventista e pá RAPAZIADA!!!! Malandragem de verdade é viver.... Se liga!!!! Procure a sua paz!!!! Você não bota mó fé.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Que tu fala é MANO BROWN mais um sobrevivente Agradeço á Deus, Agradeço á Deus.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) 27 ano, contrariando a estatística morô meu!!!! Agradeço á Deus, Agradeço á Deus.... Procure a sua paz.... (Eu vou procurar e sei que vou encontrar) Eu vou procurar.... Procure a sua paz... procure a sua!!!! Eu vou encontrar Você pode encontrar a sua paz, o seu paraíso!!!! Eu vou procurar Você pode encontrar o seu INFERNO!!!! A FÓRMULA MÁGICA DA PAZ........! (Eu vou procurar e sei que vou encontrar)
eu prefiro a P A Z ! ! ! ! ! !
Hey Boy
Hey boy! hey boy! Dá um tempo ai, cola ai! Pera ai! Que é mano? Que esse otário tá fazendo aqui? Ai dá um tempo ai, chega ai... Que foi bicho!? Lembra de mim mano? Não... Então vamo trocar uma idéia nós dois agora...
Hey boy o que você está fazendo aqui Meu bairro não é seu lugar E você vai se ferir Você não sabe onde está Caiu num ninho de cobra E eu acho que vai ter que se explicar Pra sair não vai ser fácil A vida aqui é dura Dura é a lei do mais forte Onde a miséria não tem cura E o remédio mais provável é a morte Continuar vivo é uma batalha Isso é se eu não cometer falha E se eu não fosse esperto Tiravam tudo de mim Arrancavam minha pele Minha vida enfim Tenho que me desdobrar Pra não puxarem meu tapete E estar sempre quente Pra não ser surpreendido de repente Se eu vacilo trocam minha vaga O que você fizer Aqui mesmo você paga A pouca grana que eu tenho Não dá pro próprio consumo Enquanto nós conversamos A polícia apreende e finge A marginalidade cresce sem precedência Conforme o tempo passa Aumenta é a tendência E muitas vezes não tem jeito A solução é roubar E seus pais acham que a cadeia é nosso lugar O sistema é a causa E nós somos a consequência....Maior Da chamada violência Por que na real Com nossa vida ninguém se importa E ainda querem que sejamos patriotas
Hey...Boy...
Isso tudo é verdade Mas não tenha dó de mim Por que esse é meu lugar Mas eu o quero mesmo assim Mesmo sendo o lado esquecido da cidade E bode espiatório de toda e qualquer mediocredade A sociedade já não sabe o que fazer Se vão interferir ou deixar acontecer Mas por sermos todos pobres Os tachados somos nós Só por ser conveniente
Hey boy...
Pense bem se não faz sentido Se hoje em dia eu fosse um cara Tão bem sucedido Como você é chamado de superior E tem todos na mão E tudo a seu favor Sempre teve tudo E não fez nada por ninguém Se as coisas andam mal É sua culpa também Seus pais dão as costas Para o mundo que os cercam Ficam com o maior melhor E pra nós nada resta Você gasta fortunas Se vestindo em etiqueta E na sergeta é as crianças Futuros homens Quase não comem morrem de fome Com frio e com medo Já não é segredo e as drogas consomem Sinta o contraste e só me de razão Não fale mais nada porque Vai ser em vão
Hey Boy...
Você faz parte daqueles que colaboram Para que a vida de muias pessoas Seja tão ruim Acha que sozinho não vai resolver Mas é por muitos pensarem assim como você Que a situação Vai de mal a pior E como sempre você pensa em si só Seu egoísmo ambição e desprezo Serão os argumentos pra matar você mesmo Então eu digo Hey boy... Não fique surpreso Se o ridículo e odioso Círculo vicioso Sistema que você faz parte Transforma num criminoso E doloroso Será ser rejeitado HUMILHADO Considerado um marginal Descriminado, você vai saber Sentir na pele como dói Então aprenda a lição Hey Boy...
"-Aí boy sai andando ai certo... -Eu tenho todos os motivos -Mas nem por isso eu vou te roubar -Morô? -Sai andadando -Vai caminha mano! -Não tem nada pra você aqui não, seu otário! -Vai embora -Sai fora -E não pisa mais aqui hein!"
Homem na Estrada
O homem na estrada recomeça sua vida sua finalidade, a sua liberdade, que foi perdida, subtraída e quer provar a si mesmo que realmente mudou que se recuperou e quer viver em paz não olhar para trás, dizer ao crime nunca mais pois sua infância não foi um mar de rosas não na FEBEM lembranças dolorosas então. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim muitos morreram sim sonhando alto assim me digam quem é feliz, quem não se desespera vendo nascer seu filho no berço da miséria um lugar onde só tinham como atração o bar e o candomblé pra se tomar a benção esse é o palco da história que por mim será contada, o homem na estrada.
Equilibrado num barranco incomodo, mal acabado e sujo porém seu único lar seu bem e seu refúgio cheiro horrível de esgoto no quintal por cima ou por baixo, se chover será fatal um pedaço do inferno aqui é onde eu estou até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou numerou os barracos, fez uma pá de perguntas logo depois esqueceram, filha da puta acharam uma mina morta e estuprada deviam estar com muita raiva, mano quanta paulada estava irreconhecivel, o rosto desfigurado deu meia noite e o corpo ainda estava lá coberto com lençol, dessecado pelo sol, jogado o IML estava só dez horas atrasado. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim quero que meu filho nem se lembre daqui tenha uma vida segura não quero que ele cresça com um oitão na cintura e uma PT na cabeça e o resto da madrugada sendo mim ele pensa o que fazer para sair dessa situação,desempregado então com má reputação, viveu na detenção, ninguém confia não e a vida desse homem para sempre foi danificada, o homem na estrada.
Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual calor insuportável, 28 graus faltou água, já é rotina, monotonia não tem prazo pra voltar, hu, já fazem cinco dias são dez horas, a rua está agitada uma ambulância foi chamada com extrema urgência loucura violência, exagerada estourou a própria mãe estava embriagado mas bem antes da ressaca ele foi julgado arrastado pela rua o pobre do elemento inevitável linchamento, imaginem só ele ficou bem feio, não tiveram dó os ricos fazem campanha contra as drogas e falam sobre o poder destrutivo dela por outro lado promovem e ganham muito dinheiro com o alcool que é vendido na favela empapuçado ele sai,vai dar um rolê não acredita no que vê, não daquela maneira crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo seu café da manhã na lateral da feira molecada sem futuro, eu já consigo ver só vão na escola pra comer, apenas nada mais como é que vão aprender sem incentivo de alguém sem orgulho e sem respeito sem saúde e sem paz um mano meu tava ganhando um dinheiro tinha comprado um carro, até rolex tinha foi fuzilado a queima roupa no colégio, abastecendo a playboyzada de farinha ficou famoso, virou notícia rendeu dinheiro aos jornais, hu, cartaz a polícia vinte anos de idade alcançou os primeiros lugares superstar do Notícias Populares. Uma semana depois chegou o crack, gente rica por trás, diretoria a que periferia miséria de sobra um salário por dia garante a mão-de-obra a clientela, tem grana e compra bem tudo em casa, costa quente de sócio a playboyzada muito louca até os ossos vender droga por aqui, grande negócio. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim quero um futuro melhor não quero morrer assim num necrotério qualquer, um indigente sem nome e sem nada, o homem na estrada.
Assaltos na redondeza, levantaram suspeitas logo acusaram uma favela para variar e o boato que corre é que esse homem está com o seu nome lá na lista dos suspeitos pregada na parede do bar a noite chega e o clima estranho no ar e ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranquilamente mas na calada caguetaram os seus antecedentes como se fosse uma doença incurável, no seu braço a tatuagem, DVC uma passagem um cinco sete na lei, no seu lado não tem mais ninguém a justiça criminal é implacável, tiram sua liberdade, família e moral mesmo longe do sistema carcerário te chamarão pra sempre de ex-presidiário não confio na polícia, raça do caralho se eles me acham baleado na calçada chutam minha cara e cospem em mim é, eu sangraria até a morte, já era um abraço por isso a minha segurança eu mesmo faço é madrugada parece estar tudo normal mas esse homem desperta pressentindo o mal muito cachorro latindo, ele acorda ouvindo barulho de carros e passos no quintal a vizinhança está calada e insegura premeditando um final que já conhecem bem na madrugada da favela não existem leis talvez a lei do silêncio a lei do cão talvez vão invadir o seu barraco é a polícia vieram pra arregaçar cheios de ódio e malícia filhos da puta, comedores de carniça já deram minha sentença e eu nem tava na treta não são poucos que já vieram muito loucos matar na crocodilagem, não vão perder viagem quinze caras lá fora,diversos calibres e eu apenas com uma treze tiros automática só eu mesmo e eu, meu Deus e meu Orixá no primeiro barulho eu vou atirar se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém o que eles querem mais um pretinho na FEBEM. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim a gente sonha a vida inteira e só acorda no fim minha verdade foi outra não dá mais tempo pra nada...
"Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na estrada do M Boi Mirim sem número, tudo indica ter sido acerto de contas entre quadrilhas rivais, segundo a polícia a vitíma tinha vasta ficha criminal